quarta-feira, 27 de julho de 2016
QUASE AMIZADE.
Ela
lançou sobre mim um terrível olhar espanhol.
Aquilo não era um olhar, era um dardo eletrificado.
Inflamado soaria melhor, mas, não, não era um olhar ardente, era um dardo
gélido. E eletrificado.
Fiquei firme. Nem sei como segurei a face
impassível - porque, sabe, doeu. Eu queria muito ter iniciado aquela amizade, e
ela foi tão simpática: “Estava pensando em te convidar para
um chope, mas você não bebe!”. Ela também gostara de conversar comigo! Imagina, havia já tempo que
não topava com uma pessoa interessante, irônica, mais crítica que eu. Você
sabe, sou bem esquisita, faço contato fácil, mas tenho dificuldade para
amizade. Vejo sempre senões na personalidade alheia, que me atemorizam; e de repente noto certa
afinidade de pensamento. Depois, sarcasmo pressupõe humor. Ela era divertida. E
me convidava para sair (um início de amizade!). Mais que depressa respondi: “Ora, em vez de chope, tomo suco de laranja!”. Não pensei, não tive tempo pra pensar.
E então, aquilo.
Eu estava tão, mas tão dura, que não poderia aceitar sair com ninguém. Por menor que seja a despesa, é indispensável dividir os gastos. Ou oferecer-se para tanto. E ainda que assim não fosse, se ela me trouxesse de volta à minha casa eu não poderia convidá-la para entrar, ou visitar-me, num outro momento (você sabe como estava a minha casa, eu te contei). Quando ela pediu meu telefone, forneci meu número, e não perguntei o dela.
Eu estava tão, mas tão dura, que não poderia aceitar sair com ninguém. Por menor que seja a despesa, é indispensável dividir os gastos. Ou oferecer-se para tanto. E ainda que assim não fosse, se ela me trouxesse de volta à minha casa eu não poderia convidá-la para entrar, ou visitar-me, num outro momento (você sabe como estava a minha casa, eu te contei). Quando ela pediu meu telefone, forneci meu número, e não perguntei o dela.
Foi aí que ela me fuzilou.
Fomos todos embora, ela nunca ligou, como é justo,
e penso que de minha parte seria patético uma explicação, a esta altura.
Um embaraço indisfarçável, uma amizade frustrada.
Ruim. Muito ruim.
quinta-feira, 21 de julho de 2016
O MEU
AMOR TEM UM JEITO MANSO QUE É SÓ SEU ...
Quando professora, cultivei o hábito de, a cada
início de semestre, dizer aos alunos (sempre eram turmas novas) que viemos ao mundo para sermos felizes.
Do contrário a Natureza não seria tão bonita.
Comentava que, como precisamos descansar, ao fim
de cada jornada, as aves voltam aos
ninhos e seu cântico é mais abafado, até ao silêncio; o céu escurece, e
dependendo da estação do ano, torna-se ametista, até o negro da “ausência de
cor”. É a escuridão e o silêncio, para descansarmos efetivamente.
O amanhecer, por sua vez, não ocorre abruptamente, mas se instala
muito de leve, para que o despertar seja igualmente suave, e os pássaros
começam a cantar aos poucos, e não como a abertura da Nona de Beethoven.
Da mesma forma a nossa manutenção: a beleza dos
alimentos, o perfume de cada fruta, seu feitio (as células das laranjas, os
grãos da romã), o odor da carne quando levada ao fogo, o seu dourado e
suculência, tudo sem esquecer o sal, posto na água do mar na dose ideal, como
deve ocorrer na panela, tudo para que seja prazeroso o ato de alimentar-se.
Precisamos nos reproduzir? Novamente o prazer, o
encantamento, a partir da escolha do parceiro, a descoberta gradual (ou não) de
seus encantos, odores, textura de pele
ou cabelo, cor dos olhos, sorriso, o abraço, a temperatura do abraço – quanta
beleza, quantas delícias!
Outro dia, após um encontro de congraçamento de fim
de ano, no carro de alguém que me ofereceu carona, vi a Cida e o Sidney, indo
em busca de seu automóvel, deixado logo além. Eles caminhavam pela calçada, afastados
entre si, presos entretanto pelos dedos – não de mãos dadas, mas de dedos
dados. Casal maduro, confiados um no outro, identificados um com o outro,
seguiam tão lindos que meu coração se aqueceu com a doçura insuspeitada daquele
comportamento. “Alegra-te com a mulher da tua mocidade”, recomenda o rei
Salomão, “pelo seu amor sê atraído perpetuamente”.
“Eu te guio com os meus olhos”. Não foi o sábio
Salomão quem disse isso, foi Aquele que “preparou caminhos para que andássemos
neles”. Se o meu coração falivelmente humano se aqueceu com a ternura do casal
Cida e Sidney, como você acha que Ele, cujo amor é perfeito, reagiu ao
“guiá-los” pela calçada? Muito mais feliz do que eu, sem dúvida!
Amigos, cultivem-se. Nós mudamos, nossa aparência
muda, claro, mas ao invés de recrudescermos os defeitos, cultivemos o carinho na
forma de tratar o outro, seja o cônjuge, seu irmão ou irmã, seus pais, seu
colega de trabalho, seu vizinho.
Mas no quesito cônjuge, olhe-o como fazia quando o(a) conheceu; espie-o(a),
quando ele/ela estiver distraído, e
nesse momento pense nas suas qualidades, em como ele/ela “bate” várias padarias
para procurar a manteiga de que você gosta, ou o simples pão de queijo; agasalhe-o(a),
quando o tempo esfriar; se não sabe fazer uma comidinha caprichada, faça um
refresco; toque-o(a) - não são apenas os gatos que gostam de ser “alisados”, seu amor também
gosta.
A vida é muito curta, e a solidão muito longa.
Preze aquilo que você tem; se não está bom, ame-o mais, para melhorar. E
melhore-se, vocês merecem!
segunda-feira, 18 de julho de 2016
BRUXAS SOLTAS
O meio artístico sofreu este mês,
só até o dia 13, três baixas lamentáveis, o falecimento de três cineastas do mais alto
coturno:
- dia 02, Michael Cimino, americano, que fez nada mais,
nada menos que “O Franco Atirador”;
- dia 04, Abbas Kiarostami, expoente do cinema iraniano,
muitas vezes premiado na França e na Itália, poeta, pintor, ilustrador,
roteirista, antes de ser diretor; é seu o filme “O Gosto de Cereja”;
- dia 13, Héctor Babenco, ‘brasileiro nascido na
Argentina’, que viveu dois anos na Europa, onde participou do cenário
cinematográfico, e veio para o Brasil aos 19 anos de idade.
Assisti, há muitos anos, “O Franco
Atirador”, que me deixou siderada. Fui agora ao pai (GO) dos (OG) desinformados
(LE) e descobri que dois anos depois do sucesso estrondoso do referido filme, Cimino fez “O Portal do Paraíso”, no qual foram gastos 100 milhões de
dólares; o filme não arrecadou mais de 2% desse valor. Resultado: falência.
Como é natural, ele perdeu importância, e não se recuperou.
A crítica aponta que o ponto
central da obra de Cimino é o dilaceramento da América e dos americanos, e ele
persegue essa idéia nos filmes subseqüentes. Mas se você ler a análise da obra
e do criador, entenderá que terrível é ser gênio. Recomendo, afinal, não se pode
viver só de Vin Diesel.
Abbas Kiarostami, iraniano, sempre
escondido atrás de óculos escuros. Engraçado: Cimino, bonito como Kiarostami,
também gostava de óculos escuros. Raul Seixas cantava que “quem não tem colírio
usa óculos escuros” - deve ter a ver.
O cinema iraniano (a arte, veja
bem) costuma ser muito, muito humano. Para entender, veja o que disse
Kiarostami sobre seus filmes, em 1995, numa publicação feita em Paris: “Creio
num cinema que dá mais possibilidades e mais tempo a seu espectador. Um cinema
semifabricado, um cinema inacabado que se completa pelo espírito criativo do público.
Enquanto cineasta, eu conto com essa intervenção criativa, caso contrário,
filme e espectador desaparecerão juntos”.
Já em 2004, quando do lançamento de seu filme “Dez”, sobre uma taxista
(no Irã!) afirmou numa entrevista ,: “As autoridades (iranianas, que baniram
seus filmes do País) não têm problemas comigo ou com meus filmes. Elas têm
problemas com o público de meus filmes. Isso é porque esse público representa
uma força. É por isso que ele é visto como um problema”.
Já o Babenco, que sujeito simples!
Assisti na madrugada de domingo
para hoje, dois terços da entrevista que ele concedeu ao Programa Livre, da
Band, depois do lançamento de “Meu Amigo Hindu”. Pra começar, usava um paletó
listrado, aparentemente de brim, ou outro tecido aparentado, camisa riscadinha
de azul, tudo sobre bermuda e tênis. Aquela careca lustrosa não possibilitava
assumir aparência “casual”; estranha, soa melhor.
Foi nessa entrevista que o ouvi
dizer que era “brasileiro nascido na Argentina”. Não encontrei nenhuma notícia
no “pai dos desinformados” que valesse a pena – publicaram fofocas retiradas de
revistas ... de fofocas. Entre seus filmes mais famosos contam-se “Pixote, a
lei do mais forte”, “O Beijo da Mulher Aranha”, indicado ao Oscar de melhor
filme e”Carandiru”. Mais recentemente, “Meu Amigo Hindu”, lançado em 2015, e
baseado em sua experiência pessoal com um câncer linfático.
Falo desses homens, hoje, porque
não esqueci minhas classes nas Escolas Técnicas da Fundação Paula Souza. Sempre
que vejo pessoas notáveis, que pautam suas vidas por um trabalho apaixonado,
preciso passar para os “alunos”, quaisquer olhos ou ouvidos interessados em
experiências que deram certo.
Você dirá, talvez; “E o Cimino?”
Eu lhe digo que ele também deu certo, o que não deu certo foi a bilheteria!
segunda-feira, 11 de julho de 2016
BRASIL, A ILUSTRE CASA DE RAMIRES
Eça
de Queiroz ressentia-se de que Portugal tivesse perdido toda a expressão
política e econômica que conquistara no período em que dominara os mares
conhecidos. Para ele. a derrocada econômica e política portuguesa conduzira o
país à perda da noção do próprio valor, da própria importância.
Ele
expressava esse sentimento em sua obra – Os Maias, A Cidade e a Serra e outros
-, mas dedicou uma expressamente ao tema: A Ilustre Casa de Ramires. Nela,o autor
descreve a vida medíocre e infeliz de
um nobre arruinado, descrente de si e acovardado pelo próprio medo, nele inato.
Em
razão dessa descrença em si próprio, ele se humilha e avilta junto a um amigo,
na tentativa de se eleger para um cargo político, que o resgataria da mediocridade e
descrédito em que se via mergulhado
Então,
enquanto aguarda a eleição, um incidente mesquinho em suas terras faz que tome
uma atitude, ditada pelo medo aterrorizante que sente, mas que aos moradores do
local pareceu um ato de coragem e honradez
Surpreso,
a partir dali passou a ser cortejado pelas pessoas de sua aldeia e seus
domínios. Deu-se conta de que, na realidade, sempre fora respeitado, antes
mesmo do incidente revelador – era ele quem se diminuía e pelo medo paralisante
tornava evidente, aos mais argutos, sua fraqueza interior; enfim, jamais
precisara se aviltar perante quem quer que fosse para granjear uma posição, para
ter o respeito que o povo já lhe devotava.
Eça
termina a história traçando um paralelo entre o ilustre Ramires e Portugal,
detentor, no passado, de tanta glória, dono dos mares e dos mapas que os
decifravam, seguido de perto por Espanha e perseguido através dos oceanos por
Holanda, que lhe copiava estratégias e lhe roubava tesouros, e que da mesma
forma como conquistou o sucesso, viu-se dele apeado, e posto à margem da elite
dos países considerados grandes, e se amesquinhou, e empobreceu e era agora a
sombra do que fora.
Essa
história me fez pensar, não no Brasil, mas no povo brasileiro, esse povo que
mesmo sem condições mínimas de dignidade, se ergue do pó em que vive, e batalha
e conquista seu espaço.
É
o trabalhador do campo, que com u’a meia foice corta cana na zona da mata nordestina, e
despenca das “cabiceras” para o sul, onde enfrenta o suor e o tijolo na
construção civil, ou seu vizinho que parte para a indústria e, esquecido do serviço
embrutecedor que exercia, aprende o trabalho minucioso dentro da indústria, e
constrói seu barraco sobre palafitas, depois a casa de blocos, e na terceira
geração envia seu filho para a Faculdade de Medicina (como pude testemunhar);
É
o artista que batalha dia e noite, expondo-se a tantas circunstâncias que a nós
pareceriam degradantes, para mostrar seu trabalho, sua obra;
É
o esportista que enfrenta todas as adversidades porque crê no próprio talento,
e tem que escolher entre pagar a condução que o leva ao treino no clube e o
lanche que lhe matará a fome.
Quando
vemos um Romário erguendo a cabeça e se dizendo “o cara”, nós o reputamos "mascarado", e não o detentor do direito de se chamar "o cara".
Porque, amigos, quando pegávamos nossos livros e íamos para a Faculdade, o
Romário curtia fome para poder treinar e buscar seu lugar no futebol
brasileiro; e sabe o que ele fez, além de ganhar dinheiro e aparecer em
manchetes nos jornais? Ele levou o nome do Brasil para a Europa, onde exibiu
como brasileiro esse talento esmerilhado durante a fome.
Como ele, perdemos a conta de quantos outros brasileiros
(você deve conhecer algum que eu desconheço) lutaram, suaram e hoje brilham.
Você,
você mesmo sabe o quanto vale.
Apesar da zombaria da mídia estrangeira, e mais, da zombaria dos nossos políticos sobre nós, eu sei e você sabe que valemos muito mais do que essa lama que já sobe aos nossos ombros; nós e nossas vidas somos testemunhas de que isso não nos representa, não nos suja, isso não é e
não vale o que nós somos! E junto com nossos iguais podemos refazer esta nação, que
não será conhecida pelo “povinho” que Deus nela colocou (como na piada), porque
esse POVO é especial, é bonito, talentoso, é, sim trabalhador, é capaz e
competente bastante para mudar essa história!”
Aí
está o Aécio Neves, sendo enredado nas malhas de denúncias.
Mas
o avô dele, não me interessa o que tenha feito, disse uma frase que precisamos
considerar e adotar como nossa, neste momento de tantas declarações indignadas nas redes sociais:
NÃO VAMOS NOS DISPERSAR.
Tão
importante quanto isso, entretanto, é tomarmos consciência de nosso valor
individual, e de quanto ele crescerá se somado ao valor individual de cada um de
nossos amigos e companheiros. Ao invés de nos dispersarmos, vamos nos
aproximar, e vamos nos ajudar para fazer valer o que somos. E nós somos um
povo!
Coincidentemente
vi ontem, quando vazio o estádio onde Portugal lutou contra a França, colada ao
alambrado a faixa vermelha e verde onde se lia: NAÇÃO VALENTE E IMORTAL.
Quem
incentivou essa nação valente e imortal a perseguir e conquistar a vitória, no
estádio, foi um herói ferido, que não precisa daqueles colegas nem daquele
time, porque já foi considerado e premiado várias vezes como o melhor jogador
do mundo, mas que amou aquele Portugal e amou aqueles companheiros, aos quais gritava,
e entre xingamentos incentivava dizendo: Vai, tu treinaste, tu te preparaste, vai e
faz, se der errado não faz mal, mas vai e chuta!
Temos que ser o sal desta terra. Vamos
nós também, lutar, por mais que a vitória nos pareça distante, e mesmo sem saber lutar, e
sem sequer saber usar os instrumentos necessários, mas sendo nós mesmos, sendo íntegros, sendo singelamente íntegros, vamos lá, todos os dias, é a nossa vez!
segunda-feira, 4 de julho de 2016
AVISO AOS
NAVEGANTES
Na página a seguir falo
de uma mulher jovem, que iniciou uma carreira há poucos anos atrás e perseguiu
seu objetivo com tenacidade.
Como é natural, falo de suas
qualidades.
Para falar de defeitos tenho a
boca pesada, não me recomendo. Pode acontecer de você discordar de mim, naquilo
que enfatizo da pessoa focalizada e você pensar "Céus, quanta asneira,
discordo totalmente disso!".
É direito seu ter a opinião
que lhe parecer bem, mas pense de mim como penso da minha homenageada de
hoje - Ninguém é perfeito! Seria o título da página, caso eu tivesse habilidade
para mexer com este bendito computador.
Considere, então, que sobre o título,
no canto esquerdo da página, está escrito em itálico: NINGUÉM É PERFEITO.
Seja generoso(a) nas críticas: nunca se sabe
se você será o próximo focalizado(a)!
Sabiá
de cachoeira
Li,
na infância, um livrinho catado de um vizinho, “As estrambóticas aventuras de
Nhô Joaquim Bentinho”, de Cornélio Pires, sobre as conversas de um engenheiro
da cidade com um caipira do interior de São Paulo. Numa das histórias contadas,
o caipira diz ao engenheiro que sabiá nascido ao lado de cachoeira canta mais
alto e mais forte que qualquer outro.
Pois, certa manhã ensolarada,
apareceu lá no escritório em que trabalhei com Cida, Kátia e Lino, uma garota
pequena e bonita, olhos luminosos, cabelo luzidio e uma alacridade de sabiá de
cachoeira se anunciando. Um escândalo! Jamais vira alguém falar tão alto! Havia
nela uma alegria que parecia motivada por um gerador, tal a intensidade inesgotável.
Do mesmo jeito que entrou, saiu, e
não sei como as páginas soltas sobre as mesas não voaram, com a força daquele
furacão!
Fiquei sabendo que era a Lia,
sobrinha do Gilberto, marido da Kátia. Ufa!... Estudante, vinha fazer conosco
um estágio, que se revelou bissexto.
Formada,
foi para São Paulo, onde, segundo notícias, casou e teve filhos. Dois. Nada que
combinasse exatamente com um furacão.
Mais
tarde, a separação, ah! E o retorno a Santos. Não, Santos, não, Guarujá! E a
ONG! A Lia abrira uma ONG, e fazia projetos para comunidades, como Pouca
Farinha e assemelhadas.
E
então, a novidade: a Lia está com um restaurantezinho muito gracinha, lá no
Guarujá, numa travessa da av. Montenegro.
Quê?!
Como?! Restaurante?! Panelas?
Você
diria que hoje é comum essa troca inusitada de profissões/atividades, e eu lhe
direi que à época não era comum coisa nenhuma, e, ademais, a Lia?! Aquele sabiá
de cachoeira presa a uma cozinha, um balcão?!
Pois.
Pensei comigo: por quanto tempo?
Os anos se passaram, a Lia
caminhando; nossos caminhos criam novas veredas, a Lia caminhando; como idosa
que assim se reconhece, aposentei, a Lia caminhando ...
Ano
passado, num evento na loja Roupa Minha e Afins, quem encontro, um pouco menos
jovem e bem menos álacre, porém bonita, de uma beleza serena, mesmos cabelos
luzidios agora recolhidos numa bandana, quem? Quem?
A Lia! Ainda
no restaurante no Guarujá.
Lá pelas tantas, contou que participaria
de um evento sobre pães, a acontecer no dia seguinte, no Horto Florestal aqui
da cidade. E aí, como quem espana um cisco da própria roupa, informou que usara
um fermento que desenvolvera a partir do abacaxi.
Meu queixo caiu.
Não me diga que isso é questão de lana caprina, coisa sem importância, que
basta ter uma receita e qualquer pessoa faz fermento de abacaxi.
Pode
ser, herege.
Mas a menina escandalosamente barulhenta e
aparentemente despreocupada que conheci no passado, largou os livros, o
computador, petições, embargos, audiências, e partiu para as panelas – onde
permaneceu! -, e se aplicou, todos dias, e se concentrou e se aprofundou,
diversificou, até desenvolver métodos
seus, criar coisas diferentes, a partir da mesma bancada de trabalho!
Trabalho! É isso! Quanto a Lia tem
trabalhado, desde garota álacre até se tornar senhora do seu fazer, e ter seu
próprio fermento! Que longo caminho!
E ali estava ela, diante de umas
poucas mulheres, discreta, despretensiosa, falando tranqüila de suas
atividades.
Linda!
Calada, pensei que gênios há que
nascem prontos, e desde logo surpreendem e causam admiração; e outros há que
trabalham, e teimam, e limam, e sofrem, e suam (parafraseando Bilac), e
constroem sua genialidade, palmo a palmo, sem se darem conta do quanto lustram
e ilustram o caminho.
Curiosa, fui à Internet e descobri
que o restaurante da Lia é o Magnóllia Gourmet e que ela participa com
regularidade de eventos gastronômicos.
Pequena e grande e incansável Lia
Cassettari, sabiá de cachoeira, gênio discreto ...
Perplexa ainda, mas encantada, ofereço
meu reverente aplauso a você!
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