terça-feira, 28 de novembro de 2017

CÂNTICO DE SALOMÃO, 8.6.


- Era pra ser pra sempre. (Pausa.) Era pra ser pra sempre, antes de acontecer tudo isso.
- Foi assim: eu vivia ali no bairro, uma vida muito boa, usava maconha, depois usei crack. Dinheiro no bolso, resultado do meu trabalho. Traficava.
Um dia resolvi, mudei dali, parei com tudo, arrumei emprego, fiquei quatro anos “limpo”.
Foi quando conheci ela (indica a mulher, com um movimento do rosto). Passávamos pela rapaziada, eles chamavam, “Aê, fumá uma?”, eu dizia pra ela, “eu vivia ali, com eles, a vida que eles vivem”, e a gente seguia. Era impossível, aquilo, cada um custava dez pau. Um mês, trezentos pau, não dava!
Aí, comprei a casa, tava assim, construindo, ai pensei, “podia fumá uma!” Aquele dia foram cem pau (!)!
Foi assim.

Tenho temperamento dramático. Fico estarrecida com histórias assim. Não me conformo de as vidas serem interrompidas dessa maneira. Ele dissera: “Era pra ser pra sempre”, a vida dos dois, você entendeu?, ele a amava, e ela o amava. E é evidente, hoje, os dois ali, sentados, que se amavam, que se amam, mas faz três meses que ele saiu da clinica de recuperação, ele ainda não é dono de si, quando será dono de si? Será um dia, dono de si? Ela se pergunta isso, pergunta pra ele, ele não tem resposta. No seu discurso você percebe pensamentos que lhe foram ensinados na clínica, indicativos da vontade que ele tem de ser livre, mas sabe que não, ainda não aconteceu essa liberdade, ele era “livre” quando fumou aqueles cem "pau" que o levaram de volta ao vício, lembra? Depois daqueles cem "pau", ela lutou com ele e por ele, até se completarem quinze anos de vida em comum.

Então se separaram, já faz dois anos. ela ficou com o filho, que ele ama intensamente, com quem convive pelo menos aos domingos, e ela vive com outro, que tem ciúme dele, que gostaria que ele se escafedesse, “por favor, sai da nossa vida, eu quero ser pai do seu filho, eu cuido deles, sai daqui!”

Ele não sai. Entende e respeita o outro, sabe que ele é bom para o menino, que acredita estar protegendo o menino quando coloca dúvidas quanto à convivência entre pai e filho, respeita a opção dela, mas não, ele não sai! 
Ele ama o filho, ama a mãe do filho, e sabe que ela o ama também. Quem sabe, não é?, acontece esse milagre que os crentes prometem em sua pregação, e eles voltam à vida anterior aos “cem pau”!

Ninguém acredita, nem acreditará, a começar por ela. E por ele.


Entre eles, forte como a morte. o amor interrompido.

quinta-feira, 15 de junho de 2017


QUESTÃO DE DNA

Tem-me magoado muito a esculhambação exibida pela mídia, como reflexo da situação política que atravessamos, e que já se prolonga demais.
Tem-me magoado mais ainda que seja esse o espetáculo deprimente que oferecemos aos jovens. Essa desesperança!
Tem-me magoado muito que as crianças sejam criadas nesse caldo de cultura, ouvindo as coisas que ouvimos e dizemos.
Tem-me magoado muito essa banalização que repete que o Brasil é esse espetáculo de corrupção desde o descobrimento, a corrupção está em nosso DNA.

Não. Não está, não!

Nós já falamos aqui, neste mesmo blog, sobre o trabalho feito em Santos, em benefício dos escravos e da abolição, e encarecemos que TODA a população trabalhou pela libertação, mesmo  as donas de casa, numa época em que não havia mídias sociais, e donas-de-casa ficavam em casa, e que decretamos a abolição, entre nós, em 1886.

Agora descobri dois fatos, ou duas personalidades, que precisam ser conhecidas do grande público: Alexandre de Gusmão e José Bonifácio de Andrada e Silva.

A partir de 1743, Alexandre de Gusmão, que fez vida política em Portugal, é nomeado pelo governo português para o Conselho Ultramarino, depois de ter organizado o povoamento do Sul brasileiro, com a intenção de estender a ocupação até o Rio da Prata e de ter mandado para Santa Catarina grandes contingentes de açorianos . Começa, então, pesquisas nos arquivos da instituição em busca do todas as evidências documentadas das andanças pelo sertão de todos os grupos da aliança entre Tupi e portugueses que encontrasse.
A história é longa, mas ele conseguiu traçar uma linha contínua entre os territórios ocupados pelos dois grupos, de maneira a estabelecer um “mapa” e a partir desse “mapa” negociar e fixar a posse portuguesa sobre o território ali estabelecido.

Pois bem, José Bonifácio de Andrada e Silva, após retornar ao Brasil, nomeado ministro por D.. Pedro em janeiro de 1822, “apresenta um plano ousado para unir a sociedade formada a partir da aliança entre Tupi e portugueses, manter o território reconhecido juridicamente do Brasil desde a ação de Alexandre de Gusmão – e fundar sobre essa base uma Nação” (Jorge Caldeira, “101 Brasileiros que fizeram História”, Ed, Estação Brasil. 1ª. Edição, pág. 101).

Pergunta: você vê nesses dois fatos, nessas duas atitudes, algum sinal dessa corrupção em nosso DNA? Você vê, nas atitudes desses dois homens, o “patriotismo” que nos tem sido imposto de alguns anos a esta parte? Pois bem, os dois, nascidos nesta modesta Santos, um em fins de 1600, outro em meados de 1700, foram educados na Europa, ambos desenvolveram vida política em Portugal; o primeiro trabalhou pensando no Brasil como Colônia, mas o segundo, tendo exercido cargos no governo português, idealizou construir UMA NAÇÃO no Brasil, que culminou, poucos meses  depois, com a nossa independência, a partir de seu trabalho político e intencional, harmonizando inclusive o Regente, depois Imperador, com os republicanos da época!

Você precisa conhecer essa história! Os jovens precisam conhecer essa história e esses homens!

Vou publicar aqui a íntegra do texto do Jorge Caldeira sobre eles, porque é muito enriquecedor. Precisamos nos alimentar dessas notícias, ainda que passadas. Precisamos trazê-las – não são só os meus netos que precisam conhecê-las, milhões de brasileiros precisam tomar alento com elas!

Se você não quiser ler, lamentarei, mas vou publicar.


domingo, 19 de fevereiro de 2017

VAZIO

Quando você lê a epopéia de Moisés com o povo hebreu, ainda no Egito e, depois, pelo deserto, até à entrada da Terra Prometida, angustia-se, enerva-se, ri e chora ao observar os meandros da intimidade do homem com seu Criador, expressa nas conversas que mantinham.
Mas, para quem é cristão, a coisa começa muito antes, quando Deus visitava Adão ou aquilo que ele simboliza, na viração da tarde.
Viração da tarde! Isso lembra Vicente de Carvalho (o poeta), de “Mar, belo mar selvagem das nossas praias solitárias!” Porque é pura poesia.
Quando Deus visitava sua Criação, no fim das tardes, como não houvesse futebol nem política, nem TV, suponho que as conversas deveriam girar em torno das peripécias do recém criado: o que vira de novo, o que experimentara, do que gostara, coisas assim; o Criador devia encantar-se com a perplexidade de Adão, diante de tantas novidades!
Muitos outros, de Adão a Abraão, conversaram com Deus, mas foi a este que Deus chamou “Vem para fora”, para que admirasse o céu estrelado e tentasse contar as estrelas, para então reiterar-lhe que sua descendência a elas se assemelharia, em quantidade. E foi com Abraão que Deus teve um dos diálogos mais graves e, ao mesmo tempo, engraçados, quando lhe comunicou que destruiria Sodoma e Gomorra. Penalizado, Abraão questiona e intercede insistentemente, tentando achar a saída para impedir a catástrofe. Se tiver oportunidade (e curiosidade), não deixe de ler essa conversa, em Gênesis, capítulo 18.
O neto de Abraão, Jacó, foi outro que conversou com o Deus
Gideão, um morador desarvorado de Israel em tempos borrascosos, chegou a usar um estratagema, para confirmar se a conversa que mantinha era verdadeira, ou não.
Ao longo da história hebraica, muitos outros, Elias, Isaías, Daniel, conversaram com o Altíssimo; outra conversa muito engraçada foi protagonizada por Jonas, no capítulo 4 do livro respectivo, quando discute com um Deus paciente, diante do qual portava-se como filho mimado.
Paulo, o apóstolo, conversou com Deus, quando ainda era Saulo e foi derrubado de seu cavalo pelo esplendor da presença de Jesus.
        Não conheço narração de outras conversas entre Criador e Criatura, além das bíblicas.
Porém, até hoje é possível falar com Deus, embora não da forma literal como ocorreu no passado.
Mas agora nossas ocupações são tantas que não nos resta tempo para trocarmos impressões com o Altíssimo. Essa ausência seguida, ainda que costumada, nos faz tanta falta que cria pensamentos como este, de François Jacob, para mim um ilustre desconhecido: “O que o homem busca em seus deuses, na sua arte e ciência é o significado. Ele não consegue suportar o vazio”
O homem até pode procurar deuses, e há quem os procure, por certo, mas a falta que sente é daquele, que o visitava na viração da tarde, para uma conversa descontraída.
Quanto à arte, a criação é dotada de tanta beleza, o interior do homem, por sua vez, também contém tanta beleza que este não pode contê-.la, daí partir para expressá-la, e ao resultado disso chamamos Arte.
Já a Ciência, é ainda resultado da extrema curiosidade daquele ser ingênuo e inquieto que perscrutava a Natureza, à procura de novidades.

O vazio a que o autor se refere não passa de saudade de Deus ... 

sábado, 17 de dezembro de 2016

DE URGÊNCIA.

Perto dos sessenta anos dei-me conta da urgência em viver - afinal, não haveria outros sessenta me esperando.
Mas, céus, sou muito devagar, desde bebê, não seria agora que ficaria esperta, animada, frequentando festas ou pessoas.
Assim, a vida prosseguiu e se alongou de mim, que persisto em ficar em casa, mesmo com um surpreendente céu azul, como o de ontem, que vi forçada pelas circunstâncias, que me puseram na rua - visita ao dentista, oh festa!
Entretanto, como noticiei esta semana, faleceu um amigo e colega de turma, o Fred, pessoa sempre muito alegre e divertida.
Essa perda me entristeceu sobremaneira, e o sentimento se intensificou quando, no velório, vi outros colegas, e tomei conhecimento de dores que afligem outras pessoas, que se esforçam para manterem-se equilibradas em face dos infortúnios. Isso me tem levado a pensar, muito, na necessidade de nos assistirmos, de nos aproximarmos, de nos cuidarmos mais.
Você conhece alguém e tem com essa pessoa uma convivência cordial.
Convivência cordial, apesar do "cordis", não é do coração, é das relações sociais.
Você não deve ficar longe dos seus amigos, embora o sábio Salomão recomende que  sejamos parcimoniosos em "permanecer" nas casas das pessoas. De fato, o que ele recomenda é que você não seja "mala", não se abolete na casa dos outros. Mas ele também diz que, na aflição, é melhor o amigo perto que o irmão longe. Para que você recorra ao amigo perto, imprescindível que a amizade seja cultivada, como a planta no vaso, no jardim: água em tempos certos, podas, afofar a terra, adubar, coisas indispensáveis para sua planta ficar bonita e saudável.
Assim a amizade.
Por isso preciso ir com urgência à loja Roupa Minha e Afins. Por circunstâncias várias lá não tenho ido, e é Natal; Elisete e Margarete são duas amigas preciosas e carinhosas, sempre dispostas a passar um café fresco tão logo você chegue.
Vou lá. Se correr, pegá-las-ei com a loja aberta, ainda hoje.
Fui.

sábado, 19 de novembro de 2016

DE PRÊMIO NOBEL


Ontem, qualquer coisa me levou ao verso

“passas em exposição
passas sem ver teu vigia
catando a poesia
que entornas no chão”

do Chico Buarque de Holanda. E a seguir me veio, do mesmo autor:

         E te farei as vontades
Direi meias verdades
Sempre à meia-luz.

Hoje, lembrei Caetano:

         “Você não gosta de mim
                                     não sinto o ar se aquecer
         ao redor de você,
                                     quando volto da estrada
                                     por que será que é assim,
                                     seja de longe ou de perto,
                                     no errado ou no certo,
                                     na fúria ou na calma?”

                           
Ainda do Caetano:

                                     Tanta gente canta, tanta gente cala
                                     Tantas almas esticadas no curtume
Sobre toda a estrada, sobre toda a sala
Paira, monstruosa, a sombra do ciúme.


Mas você pode preferir Arnaldo Antunes:

O meu lençol é o que restou
É o que me aquece sem me dar calor
Se eu não tenho o meu amor
Eu tenho a minha dor

A sala, o quarto, a casa está vazia
A cozinha, o corredor
Se ela me deixou, a dor é minha
A dor é minha dor ....

Ou, quem sabe, Lulu Santos:
                                     
Eu te amo calado
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncio e de luz
Nós somos medo e desejo
Somos feitos de silêncio e som
Tem certas coisas que eu não sei dizer.

(Imagina, então, se soubesse!)


Veja, agora, versos da poeta portuguesa Florbela Espanca, que foram musicados e gravados por Fagner:

                            Longe de ti, são ermos os caminhos,
                            Longe de ti não há luar, nem rosas
                            Longe de ti, há noites silenciosas,
                            Há dias sem calor, beirais sem ninhos.

         Versos de Fernando Pessoa:

                            Para ser grande, sê inteiro:
                            Nada teu exagera ou exclui
                            Põe quanto és no mínimo que fazes.
                            Assim, a lua toda no lago brilha
                            Porque alta vive.

         Com estes versos dos poetas portugueses você tem base para comparar a obra erudita, deles, com a de alguns de nossos poetas do cancioneiro popular.


         Feitas as contas, qualquer dos nossos, dentre tantos outros, faz jus ao Nobel de Literatura. Com a vantagem de que, se premiado, iria a Oslo receber, por certo.

sábado, 5 de novembro de 2016

BRÓGUI

Quando finalmente decidi fazer o blog, pensei  "Vou nomeá-lo "Meu Brógui",  em homenagem às pessoas simples, perseguidas  por aqueles que se perturbam com seu modo de falar.
Quando jovem, trabalhei num escritório que tomou a seu serviço um  garoto de uns doze anos, oriundo do nordeste brasileiro, região onde as pessoas têm bastante imaginação no uso da palavra e que por isso, contrariamente ao nosso costume de chamar os meninos de José, Antônio, Ricardo, batizam-nos de Sigmaringa! Ozualdo! Audálio!
Essas pessoas têm audácia, mas antes têm imaginação, e inovam sem qualquer falso pudor. 
Voltando ao escritório e ao garoto de doze anos, pelo Natal o “patrão”, além do salário, pagou também uma gratificação.  O garoto ficou tão feliz que,  de  pronto, desejou retribuir ao empregador – como?  - comprando-lhe um "vrido" de vinho!
A atitude foi tão fidalga, e tão espontânea, que embora tendo registrado, não desejei corrigir o “vidro”. Que permaneceu na minha memória como um "vrido" de elegância.
O tempo passou e encontrei,  depois do "vrido", o "frilto". Aquele para água, manja?  E permaneci apenas observando,  sem interferir no que considero um terreno pessoal, esse, onde o seu ouvido ignora as formas mais fáceis e adota as mais complicadas,  para usar com os lábios.
Então, já mais recentemente, coisa de uns quinze anos atrás, eis que cruzo com uma senhora muito simpática, mãe de Bruna, de Edmundo e de um outro, excelente jogador de futebol, cujo nome, por banal, não consegui gravar. Pois essa senhora, que conheci por admirar os “passes” desse filho mais velho na rua onde se situa o mercadinho do bairro, morava “ali (dizia ela, apontando sua casinhola feita com aquelas chapas de compensado recuperado de obras - não moro no Morumbi, mas em frente ao meu prédio havia uma favela), naquele “srobadinho”!
Agora você, que apresentou trabalhos de teatro, na escola, sob orientação da professora de Português, tente dizer “srobadinho”! Vamos lá, tente, eu espero.
Difícil, não é?
E aí você vê aquelas celeumas provocadas por pessoas que querem “simplificar” obras de nossos escritores, para torná-las “acessíveis” ao nosso povo.
É o mesmo que dizer que essas pessoas têm um defeito de nascença, que as impossibilita de ler e entender porque é “difícil”. Difícil é o que elas criam, por talento, esse, inato, e por desdém à chamada “norma culta”, da qual não fazem a mínima questão. Ouçam as melodias (e as letras) do Djavan: já viram algo mais imponderável? A melodia de Oceano? A letra de Oceano? “Dava prá ver o tempo ruir” – Quem jamais ousou criar algo assim, tão louco e tão lindo? Você poderá argumentar que o Djavan não é inculto - claro que não é! Mas de onde ele vem? E o povo iletrado, de lá e de cá, acaso não o entende?
Nosso povo não é burro, nem retardado, nem fala errado; fala diferente. Porque quer, não porque não sabe. Ele simplesmente não quer saber; sua maneira de falar é mais doce, mais melodiosa: ao invés de dizer um "venha cá" autoritário, prefere o "chegue", ou "se achegue", com aquela manemolência que a TV faz questão de mostrar em cenas sensuais. Eles não dizem "o filho a seguir a este" - preferem "aneixo", corruptela de anexo. Não é um luxo? No Norte e Nordeste encontramos fraseado castiço, que não vemos por aqui.
Conservemos, pois, intocadas, as obras de nossos autores, e deixemos o linguajar de nosso povo, já tão prejudicado pela televisão.
Concluo: por eles, pretendi criar o “Brógui”.
Mas alguém chegou antes de mim. Por onde você vê que essas formas estão bem disseminadas, quer gostemos, quer não.
O povo é sábio, creia. E como tal, muito imitado.


domingo, 16 de outubro de 2016

ROCK CONSPIRACY


Se preciso, ele até que se sentava de frente para a mesa.
Do contrário, estendia-se paralelamente à sua lateral, apoiando o quadril na beirada da cadeira, o cotovelo no tampo e, na mão correspondente, descansava o rosto; não raro, desmanchava o próprio cabelo, junto à testa, ou junto à nuca. Se o assunto o interessava, firmava-se na cadeira, sob a qual cruzava os tornozelos e espetava no interlocutor um par de olhos de falcão, baixava o nariz como se fosse mergulhar num vôo arrasador e contraía a garganta; ao mesmo tempo, franzia o sobrolho e alteava as sobrancelhas; finda a fala, costumava levantar a cabeça, girando-a lateralmente uns quinze, vinte graus, e relancear o ambiente numa mirada sobranceira. Daí voltava ao interlocutor, ao mesmo tempo em que buscava diante de si algum objeto para ocupar as mãos.

Esse, o Rodrigo Ferraz.

Depois de longo e tenebroso inverno, eis que o encontro, seis anos mais velho (o que não é nada, nem representa nada), porém quase austero, principalmente considerando-se o ambiente: o espaço Black Jaw, no Mendes Convention, ali na Av. Francisco Glicério. Empunhava um baixo e honrava sua posição.
Fiquei bem contente de encontrar seu convite, via e-mail, quando acabava de voltar de Niterói, onde fora visitar minha linda filha e sua não menos linda família.
Pensei então na oportunidade de rever não só aquele amigo, cujas qualidades musicais desconhecia, como também toda a turma normalmente entusiasmada de Mongaguá, cidade que encanta pela simplicidade nas relações sociais.
Ah, que bom, quantos colegas, ex-alunos, pessoas queridas cuja convivência perdi, tão logo parei de ministrar aulas!
Surpresa: de Mongaguá, só vi um ex-aluno, simpático e agradável como todos. Cibele Schmidtke, cadê? Regina Célia, moradora de Praia Grande? Diego Néri, Ermógenes Palácio e todo o grupo ligado à música, ligado à escola, ligado ao Rodrigo? Onde se enfiou todo mundo?

Ao fim do espetáculo, Rodrigo e o vocalista, Vinny Serra, agradeceram a acolhida de nossa cidade, chamando-a “nossa metrópole” (deles, olha que elegância), e lembrei daquele aluno “filho do prof. Chico”, que adorava a Livraria Martins Fontes! Esse pessoal de Mongaguá me fez rever meus conceitos sobre Santos, e observar tantos pequenos encantos e confortos de que não costumamos nos dar conta.

E que qualidade, que personalidade tem a banda! No sábado, dia 8, cheguei a ver o grupo do Chay Suede na TV e juro, têm que comer muita papinha Nestlé até chegar à categoria, ao som, ao encanto da Rock Conspiracy! Como diria o Leão Vidal Sion, “é nóis!”
Mesmo sem ver a turma, conforme esperava, fui bem feliz, com o espetáculo.
A vida nos dá tantas oportunidades de sermos felizes, ainda que tenha custado horas, e anos, de ensaio, tanta concentração, tanta vida investida ali, não por mim, não por você, mas por um grupo de rapazes, homens, cuja alegria é ver alegria em nossos olhos, em nossa reação.

Por tudo que entregaram, pela honestidade do trabalho, pela autenticidade e pela intensidade, espero-os de volta.


Não se demorem!