CÂNTICO DE SALOMÃO, 8.6.
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Era pra ser pra sempre. (Pausa.) Era pra ser pra sempre, antes de acontecer
tudo isso.
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Foi assim: eu vivia ali no bairro, uma vida muito boa, usava maconha, depois
usei crack. Dinheiro no bolso, resultado do meu trabalho. Traficava.
Um
dia resolvi, mudei dali, parei com tudo, arrumei emprego, fiquei quatro anos
“limpo”.
Foi
quando conheci ela (indica a mulher, com um movimento do rosto). Passávamos
pela rapaziada, eles chamavam, “Aê, fumá uma?”, eu dizia pra ela, “eu vivia ali,
com eles, a vida que eles vivem”, e a gente seguia. Era impossível, aquilo,
cada um custava dez pau. Um mês, trezentos pau, não dava!
Aí,
comprei a casa, tava assim, construindo, ai pensei, “podia fumá uma!” Aquele
dia foram cem pau (!)!
Foi
assim.
Tenho
temperamento dramático. Fico estarrecida com histórias assim. Não me conformo
de as vidas serem interrompidas dessa maneira. Ele dissera: “Era pra ser pra
sempre”, a vida dos dois, você entendeu?, ele a amava, e ela o amava. E é
evidente, hoje, os dois ali, sentados, que se amavam, que se amam, mas faz três
meses que ele saiu da clinica de recuperação, ele ainda não é dono de si, quando
será dono de si? Será um dia, dono de si? Ela se pergunta isso, pergunta pra
ele, ele não tem resposta. No seu discurso você percebe pensamentos que lhe
foram ensinados na clínica, indicativos da vontade que ele tem de ser livre,
mas sabe que não, ainda não aconteceu essa liberdade, ele era “livre” quando
fumou aqueles cem "pau" que o levaram de volta ao vício, lembra? Depois daqueles
cem "pau", ela lutou com ele e por ele, até se completarem quinze anos de vida em
comum.
Então
se separaram, já faz dois anos. ela ficou com o filho, que ele ama
intensamente, com quem convive pelo menos aos domingos, e ela vive com outro,
que tem ciúme dele, que gostaria que ele se escafedesse, “por favor, sai da
nossa vida, eu quero ser pai do seu filho, eu cuido deles, sai daqui!”
Ele
não sai. Entende e respeita o outro, sabe que ele é bom para o menino, que
acredita estar protegendo o menino quando coloca dúvidas quanto à convivência
entre pai e filho, respeita a opção dela, mas não, ele não sai!
Ele
ama o filho, ama a mãe do filho, e sabe que ela o ama também. Quem sabe, não
é?, acontece esse milagre que os crentes prometem em sua pregação, e eles
voltam à vida anterior aos “cem pau”!
Ninguém
acredita, nem acreditará, a começar por ela. E por ele.
Entre eles, forte como a morte. o amor interrompido.