Estreou a 22 de setembro último, filme dirigido por
Marco Dutra, “O Silêncio do Céu”, estrelado por Carolina Dieckmann e Leonardo
Sbaraglia.
Nele, um homem chega à casa e vê a mulher sendo
estuprada por dois homens. Diante da cena, ele foge, por medo patológico, deixando-a
à mercê dos criminosos.
Por algum motivo o casal opta por não denunciar o
delito, e a mulher continua a sofrer violências, como, mais tarde, ver-se face
à face com um dos estupradores.
A crítica d’O Estado, de 30 de agosto, focava o
aspecto de a violência contra a mulher persistir. Por variadas razões. A Folha
entendeu que o cerne do filme é a falta de comunicação entre marido e mulher.
Não importa, ou pouco importa, diante da polêmica
que se instalou, na mesma semana de setembro, com a publicação de uma pesquisa que
informa que um, entre cada três
brasileiros, entende que a mulher é culpada pelo estupro sofrido, a
partir das saias curtas ou decotes generosos.
Sei não. Os estupros noticiados costumam ocorrer com
mulheres trabalhadoras, aquelas que normalmente usam calças compridas, não
saias curtas. Quanto aos decotes, narro uma experiência: quando lecionava em
Mongaguá, observei que os homens sequer relanceavam o olhar pelos belos seios
exibidos em decotes ousados, por moças que subiam ao ônibus, entre Santos e
aquela cidade; e vejam, quando a mulher vem de um plano mais abaixo (a rua),
subindo para um plano mais alto, a exibição costuma ser efetivamente bela. Pois
não provocava nenhum frisson, nem
mesmo um olhar, repito, o que me levava a pensar que seios não eram mais objeto
de desejo dos homens.
Se o argumento decote/saia curta fosse sério, a cidade
do Rio de Janeiro seria campeã absoluta de estupros, os cariocas todos com os
olhos injetados de desejos lúbricos.
Assim, parece-me que a teoria do traje como causa não
se sustenta.
Por que, então? Ou, se preferirmos a pergunta
infame, de quem a culpa?
O tipo de homem que estupra acha que a mulher é
pasto seu, e assim deve simplesmente estar disponível, e, pior, quer estar disponível, como mulher, a servir o homem.
Se você verificar documentários sobre guerras, seja
na Europa, seja na Ásia ou África, constatará que o homem tem a compulsão de
estuprar as mulheres – na África, consultados, eles se declararam obrigados,
como se fosse desonroso não utilizar a aberração, para eles natural, de
estuprar
Mas o que considero a maior violência, porque
dirigida a todas as mulheres conscientes, veja:
- nos anos sessenta ainda pontuava, no estudo do
Direito Penal, o pensamento do jurista Nelson Hungria, por sinal detentor de
excelente didática. A obra dele deve ter sido escrita entre os anos 40, 50, quiçá
atualizada nos 60, e até aí as mulheres não exageravam em nada; só durante os
60 surgiu Mary Quant e a míni saia. Pois bem, o novel senhor escreveu
textualmente em um de seus volumes do Tratado de Direito Penal, que se o homem precisava segurar a mulher, durante, quem guiaria o ceguinho para concretizar o ato?
Juro, ele escreveu isso, textualmente! Logo, para o
homem ter sucesso, a mulher haveria, necessariamente, de colaborar, e nesse
caso não haveria estupro!
Pois, nos anos 2.000, conheci um professor, hoje
diretor de escola, que partilhava dessa opinião: como o homem podia segurar a
mulher e estuprá-la, ao mesmo tempo?
Como disse uma amiga, aparentemente os dois nunca
estiveram com mulher.
Pois, quer saber?
Cansei de ouvir essa conversa, partida de homens civilizados!
Esclareçamos, pois: qualquer pessoa que tenha
praticado sexo heterossexual sabe que o tórax de um homem, sobre o tórax da
mulher, com intenção de paralisá-la, é instrumento eficiente, pelo volume, pelo
peso, pela pressão; depois, basta o braço esquerdo dele sobre o direito dela, e
só restaria à mulher seu braço esquerdo, fraco e inapto para segurar o braço
direito do homem e mão respectiva, livres, portanto, para guiarem o “ceguinho”.
Quanto às pernas, sabemos perfeitamente como funcionam, umas e outras.
O homem que ponha isso em dúvida é incompetente (*), ou
usa de má fé.
Embora o texto já esteja longo, é preciso que se
diga que ensinar os meninos a não estuprarem meninas não é o caminho para
resolver o problema.
Preciso, mesmo, é mudar a mentalidade, a
partir das mulheres.
Depois do estupro coletivo sofrido por uma garota, dopada, no Rio de Janeiro, não foi só uma
mulher que ouvi dizer que, afinal, ela era “rodada” ! Ou seja, provavelmente
uma, em cada três mulheres, achou justo o estupro coletivo de uma pessoa desacordada, porque a vítima era
“rodada”.
Engraçado! Porque a lei penal não
discrimina a prostituta, considerando-a passível de ser vítima de estupro.
Não esqueçamos: educar é passar, antes de palavras,
atitudes.
Voltemos, então, à pergunta infame: de quem,
a culpa?
Mulheres preconceituosas já estão educando os homens
do futuro.
(*) Incompetente é eufemismo para "nunca esteve com mulher".