PATRIAM CHARITATEM ET LIBERTATEM DOCUI
Um sujeito vindo do interior do Estado, com um
plano determinado de vida, baseado em conhecimento com pessoas ligadas a um
partido político, deu-se muito bem quanto ao que pretendia.
Ressalva: era pessoa de trabalho. Mereceu o sucesso
que alcançou.
Daí, contudo, partiu para o desfrute de falar mal
do povo do litoral, incluindo a nossa cidade no seu balaio de desdém. Cuspiu no
prato em que comeu.
Esclareci-lhe que a cidade, além de intensa vida
cultural, ocupava espaço de destaque no cenário político nacional, até ser
“esvaziada” com o advento da “redentora”.
O sujeito manteve o sorrisinho de mofa.
O só fato de exibir o declarado sorrisinho mostrava
o mau estofo de que se constituía.
Nossa cidade, para quem não sabe, é cheia de
segredos, como uma mulher.
E agora, ao adquirir o livro do Jorge Caldeira, “
101 Brasileiros Que Fizeram História”, da editora Estação Brasil, descobri fatos
que não me ensinaram na escola, e ninguém me contou. Transcrevo, na íntegra, a fl.
135 do livro:
“Antônio
Bento - * São Paulo, 1843 - + 1898.
ABOLICIONISMO
ARMADO
Branco, advogado, ex-delegado de polícia, católico
praticante, militante do Partido Conservador. Tem 39 anos de idade quando é um
dos que jura, ao pé do caixão de Luís Gama, que continuaria sua luta. Dado seu
passado, muitos duvidam.
Em menos de um ano monta uma rede logística
instalada em locais que iam de sacristias a prostíbulos, um conjunto de
fortalezas armadas em pontos-chave, um quilombo militarizado no bairro do
Jabaquara, em Santos.
Com a cobertura de advogados, funcionários de estradas
de ferro e, especialmente, de negros libertos, o grupo começa a promover fugas
em massa e dar proteção armada aos foragidos para Santos, onde as autoridades
locais decretam uma abolição local para proteger os quilombolas – que são 10
mil no momento da Abolição.”
O livro limita-se a essas poucas e
importantes informações sobre o assunto, porque trata de personalidades, não de
fatos em si.
Os fatos em si dizem que o quilombo do Jabaquara
era o segundo maior do Brasil, menor apenas que o de Palmares; além dele, havia
em Santos o quilombo Pai Filipe, nas encostas do monte Serrat, onde fica hoje a
garage do CET, e outro, na Ponta da Praia, de um homem branco conhecido como
Garrafão. Daqui os fugitivos podiam seguir para outros lugares, abastecidos
para viagem, ou obter empregos dentro mesmo da cidade.
Os fugitivos eram de fato acolhidos.
Todo um povo, inclusive damas da sociedade, donas
de casa, envolvido numa luta odiada em todo o Estado, que vivia do e para o café;
povo corajoso, disposto à luta e, principalmente, ético. Esse povo ensinava à Pátria
a caridade, ao mesmo tempo que promovia a liberdade.
A abolição em Santos ocorreu em fevereiro e março
de 1886, dois anos antes da Lei Áurea; na verdade, ela foi declarada três
vezes, em três atos diferentes, entre os meses referidos.
E para justificar plenamente o Patriam
charitatem et libertatem docui, outra informação importante: José
Bonifácio de Andrada e Silva libertou seus escravos em 1820, quase setenta anos
antes da Lei Áurea.
Some a esse todos os pequenos fatos que
você conhece, do passado e do presente,
todas as pequenas generosidades em que nosso povo é pródigo, mormente com
visitantes, sejam naturais ou estrangeiros, para tranqüilisar seu coração e sorrir,
orgulhoso e feliz, em face dos tolos mofadores.