sexta-feira, 26 de agosto de 2016

PATRIAM CHARITATEM ET LIBERTATEM DOCUI


Um sujeito vindo do interior do Estado, com um plano determinado de vida, baseado em conhecimento com pessoas ligadas a um partido político, deu-se muito bem quanto ao que pretendia.
Ressalva: era pessoa de trabalho. Mereceu o sucesso que alcançou.
Daí, contudo, partiu para o desfrute de falar mal do povo do litoral, incluindo a nossa cidade no seu balaio de desdém. Cuspiu no prato em que comeu.
Esclareci-lhe que a cidade, além de intensa vida cultural, ocupava espaço de destaque no cenário político nacional, até ser “esvaziada” com o advento da “redentora”.
O sujeito manteve o sorrisinho de mofa.
O só fato de exibir o declarado sorrisinho mostrava o mau estofo de que se constituía.

Nossa cidade, para quem não sabe, é cheia de segredos, como uma mulher.
E agora, ao adquirir o livro do Jorge Caldeira, “ 101 Brasileiros Que Fizeram História”, da editora Estação Brasil, descobri fatos que não me ensinaram na escola, e ninguém me contou. Transcrevo, na íntegra, a fl. 135 do livro:

“Antônio Bento - * São Paulo, 1843 - + 1898.

ABOLICIONISMO ARMADO

Branco, advogado, ex-delegado de polícia, católico praticante, militante do Partido Conservador. Tem 39 anos de idade quando é um dos que jura, ao pé do caixão de Luís Gama, que continuaria sua luta. Dado seu passado, muitos duvidam.
Em menos de um ano monta uma rede logística instalada em locais que iam de sacristias a prostíbulos, um conjunto de fortalezas armadas em pontos-chave, um quilombo militarizado no bairro do Jabaquara, em Santos.
Com a cobertura de advogados, funcionários de estradas de ferro e, especialmente, de negros libertos, o grupo começa a promover fugas em massa e dar proteção armada aos foragidos para Santos, onde as autoridades locais decretam uma abolição local para proteger os quilombolas – que são 10 mil no momento da Abolição.”

        O livro limita-se a essas poucas e importantes informações sobre o assunto, porque trata de personalidades, não de fatos em si.
       
Os fatos em si dizem que o quilombo do Jabaquara era o segundo maior do Brasil, menor apenas que o de Palmares; além dele, havia em Santos o quilombo Pai Filipe, nas encostas do monte Serrat, onde fica hoje a garage do CET, e outro, na Ponta da Praia, de um homem branco conhecido como Garrafão. Daqui os fugitivos podiam seguir para outros lugares, abastecidos para viagem, ou obter empregos dentro mesmo da cidade.
Os fugitivos eram de fato acolhidos.
       
Todo um povo, inclusive damas da sociedade, donas de casa, envolvido numa luta odiada em todo o Estado, que vivia do e para o café; povo corajoso, disposto à luta e, principalmente, ético. Esse povo ensinava à Pátria a caridade, ao mesmo tempo que promovia a liberdade.

A abolição em Santos ocorreu em fevereiro e março de 1886, dois anos antes da Lei Áurea; na verdade, ela foi declarada três vezes, em três atos diferentes, entre os meses referidos.

        E para justificar plenamente o Patriam charitatem et libertatem docui, outra informação importante: José Bonifácio de Andrada e Silva libertou seus escravos em 1820, quase setenta anos antes da Lei Áurea.

        Some a esse todos os pequenos fatos que você conhece, do passado  e do presente, todas as pequenas generosidades em que nosso povo é pródigo, mormente com visitantes, sejam naturais ou estrangeiros, para tranqüilisar seu coração e sorrir, orgulhoso e feliz, em face dos tolos mofadores.












quinta-feira, 18 de agosto de 2016



Usain bolt, de novo



       DEPOIS DE VER A SAÍDA RUIM 

DE USAIN BOLT, NA CORRIDA DOS 

CEM METROS, E SUA ARRANCADA

RUMO À VITÓRIA, SEGUNDOS

DEPOIS, QUALQUER COISA QUE SE

ESCREVA SOBRE ELE É 

DESPICIENDA.
USAIN BOLT


       Acabei de ver Usain Bolt correr os aguardados 200 metros.

       Correr e vencer.

       E depois, como se tivesse acabado de ler o jornal, passear  galhardamente por toda a extensão do estádio, exibindo seu porte elegante, imperial, para um público que não se cansa de olhá-lo, admirá-lo como um deus. 

       Usain Bolt é talhado em ébano: músculos, veias, peito  largo e generoso, braços longos, dedos longos, pernas longas, pés longos. Sua cara não é exatamente bonita. Nem precisa: sua imagem sedutora se completa com uma voz de fazer inveja a qualquer galã conhecido.

       Em torno dele, girando quase como bobos da corte, os fotógrafos que querem pegar um ângulo diferente, colher um detalhe do sorriso, e correm junto dele e atrás dele naquele seu passeio afável e auto-suficiente, como se dissesse: Sou belo, sim, não tenho culpa, fui feito assim, me moldei assim!

       Esse físico espantoso foi talhado no dia a dia de exercícios certamente extenuantes, aos quais ele acrescentou o encanto de uma personalidade que gosta de se exibir, e essa veleidade torna esse passeio pelas pistas tão feliz para ele quanto para nós mesmos.

       O público o adora, grita seu nome, e ele recebe essas manifestações com naturalidade, sem lágrimas nos olhos, sem arroubos de emoção, apenas retribui os afagos com o afago de seus beijos de pontas de dedo (esse cara é um fenômeno!); quando se ajoelha diante do público, nas costas a bandeira da Jamaica, não há no gesto qualquer resquício de humildade, é simplesmente o cumprimento de um ritual de reconhecimento do mito e a exposição do mito à adoração popular.

       Homem e homens se reconhecem. Ele, na  verdade, é tudo que gostaríamos de ser e de viver, principalmente essa naturalidade diante do sucesso e da adoração. Ele recebe o que lhe é de direito, e acabou-se.

       Difícil, mesmo, é imaginar outra Olimpíada sem ele. 

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

SEM PEQUENO PRÍNCIPE


Antoine de Saint-Exupéry, ao contrário do que se pensa (ou já ninguém mais pensa) não se limitou a escrever o Pequeno Príncipe,
Conheço-lhe outra obra, da qual um dos capítulos vem bem a propósito de atos e situações que continuamos a viver - Terra dos Homens.

Exupéry foi piloto comercial entre os anos de 1926 e 1935. Já a partir de 1931 começou a trabalhar com o correio que se inaugurava aquele ano, entre Buenos Aires e Santiago do Chile. Os vôos chegavam à Patagônia, e sobrevoavam, naturalmente, a Cordilheira dos Andes.
 Dada a fragilidade dos aviões, os pilotos tinham grande preocupação, uns com os outros; os vôos não ultrapassavam 4.500 metros, enquanto a cordilheira chegava a 7000 metros; não havia qualquer tecnologia como hoje conhecemos, e o aviador se guiava, durante o dia, por acidentes geográficos, às vezes uma árvore, que avistavam pela janela do avião; à noite, pelas estrelas. Avaliem esse sistema, sobre os Andes!

Pois determinado dia de inverno, a noticia se espalha: Guillaumet não voltou!
E logo partem os companheiros para a cordilheira, onde se presumia o desaparecimento do amigo.
Por dias a fio eles se revezaram, avaliando as precárias possibilidades de sobrevivência do companheiro sob temperatura de quarenta graus negativos; não divisavam sinais do homem, ou da máquina.
Depois de uma semana, o grito ecoa pelos postos de embarque do sul: Guillaumet ... vivo!
Exupéry correu em busca do companheiro, encontrando-o em cinqüenta minutos. Extremamente debilitado, magro, exaurido, mas ainda em condições de contar ao colega todo seu infortúnio (que não cabe aqui); e confessou que se mantivera vivo, caminhando dia e noite, sem descanso, pelo pensamento de que em breve viria o degelo, e seu corpo, misturado à neve e à lama, deslizaria abismo abaixo, e dificilmente seria encontrado. E em meio ao frio e à fome, enregelado, angustiara-se pensando que, se isso acontecesse, sua mulher teria que esperar quatro anos para receber o valor do seguro por sua morte. E por esse amor doméstico, por essa hoje considerada quase banal preocupação familiar, por essa responsabilidade, ele caminhou, sem dormir, na neve e no gelo, perdendo seus objetos, indo e vindo, tonto, pelos mesmos caminhos, à medida em que a brancura prejudicava sua memória. Se parasse adormeceria, e uma vez adormecido não despertaria mais, e a mulher distante viveria anos de penúria.

Nos últimos dias os jornais noticiaram a vinda ao Brasil de um grupo de refugiados, que nesta condição competiriam na Olimpíada, entre eles Yusra Mardini, jovem síria de 18 anos, cuja família fugiu da Síria para a Turquia, e dali para a Europa.
Quando seu grupo familiar e outras pessoas faziam a travessia da Turquia para a Grécia, o barco, velho e danificado, parou por falha do motor. Yusra, a irmã e outra garota, saltaram para a água e rebocaram o barco, nadando três horas e meia, até atingir o litoral grego.

O francês, quando encontrado, comentou que o que ele fizera, aquela caminhada desvairada, sem bússola, rasgado, ferido, na neve e no gelo, nenhum animal, só um homem faria.

         Tenhamos esperança: ainda há homens, ainda há mulheres entre nós.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

DE MUSICA, UM POUCO


Conheci ontem o jornalista Josimar Frazão. Ontem, na verdade, conheci o jornalista, porque a pessoa já conhecera antes, na Livraria Realejo.

Ele escreveu sobre música no Boqnews (manja o Boqnews, o  jornal do Boqueirão? Esse, em versão virtual.)
Descreveu-me matérias que publicara no periódico, deu-me indicações de como acessar, e lá fui eu.

Gostei. O estilo dele é intimista, quase coloquial; do material que li considero “O caminho das flores de Vanessa” o melhor; dá vontade de conhecer a obra da cantora.

Porém, surpreendente, para mim, foi “O Terno”, da matéria Vestimenta Musical? O Terno, banda que eu mesma só conhecia de nome. O Josimar considera que O Terno faz a linha psicodélica dos Mutantes, e inclui o Ronnie Von no grupo. Ronnie Von, “le petit prince”? Deve ser ignorância minha.

Em compensação, O Terno, insisto, me surpreendeu. É mesmo parente dos Mutantes. O jornalista acrescentou, nas matérias que li, uma peça de cada um dos artistas contemplados, e aqui ele franqueou a faixa ”Quando estamos todos dormindo” – acredito que o pessoal do meu grupo etário desconheça.

Fiquei pensando na pena que é esse problema de divulgação, ou a saturação de produção musical que nos desestimula a conhecer cantores ou grupos – serão os sertanejos? Claro! São os sertanejos! Porque o CD do qual foi escolhida a faixa citada é lançamento de 2014, quer dizer, outro dia, e ninguém comentou, não vi matéria em jornal, pôster em casa de discos, nada! E todo esse tempo, tome sertanejo! Nada contra sertanejo, mas a exclusividade é empobrecedora, ou não?

Fiquei feliz em conhecer o Josimar, jornalista, muito feliz em conhecer O Terno e Vanessa da Matta (os dois tt foram por minha conta, não garanto a correção), feliz em ter saído de casa. 

Se você quiser conversar sobre literatura atual, e música idem, procure conhecer o rapaz ali, na Realejo. Se ainda não conhece, aproveite para dar uma olhada no acervo da livraria, enquanto a sugestão é gratuita.