sábado, 5 de novembro de 2016

BRÓGUI

Quando finalmente decidi fazer o blog, pensei  "Vou nomeá-lo "Meu Brógui",  em homenagem às pessoas simples, perseguidas  por aqueles que se perturbam com seu modo de falar.
Quando jovem, trabalhei num escritório que tomou a seu serviço um  garoto de uns doze anos, oriundo do nordeste brasileiro, região onde as pessoas têm bastante imaginação no uso da palavra e que por isso, contrariamente ao nosso costume de chamar os meninos de José, Antônio, Ricardo, batizam-nos de Sigmaringa! Ozualdo! Audálio!
Essas pessoas têm audácia, mas antes têm imaginação, e inovam sem qualquer falso pudor. 
Voltando ao escritório e ao garoto de doze anos, pelo Natal o “patrão”, além do salário, pagou também uma gratificação.  O garoto ficou tão feliz que,  de  pronto, desejou retribuir ao empregador – como?  - comprando-lhe um "vrido" de vinho!
A atitude foi tão fidalga, e tão espontânea, que embora tendo registrado, não desejei corrigir o “vidro”. Que permaneceu na minha memória como um "vrido" de elegância.
O tempo passou e encontrei,  depois do "vrido", o "frilto". Aquele para água, manja?  E permaneci apenas observando,  sem interferir no que considero um terreno pessoal, esse, onde o seu ouvido ignora as formas mais fáceis e adota as mais complicadas,  para usar com os lábios.
Então, já mais recentemente, coisa de uns quinze anos atrás, eis que cruzo com uma senhora muito simpática, mãe de Bruna, de Edmundo e de um outro, excelente jogador de futebol, cujo nome, por banal, não consegui gravar. Pois essa senhora, que conheci por admirar os “passes” desse filho mais velho na rua onde se situa o mercadinho do bairro, morava “ali (dizia ela, apontando sua casinhola feita com aquelas chapas de compensado recuperado de obras - não moro no Morumbi, mas em frente ao meu prédio havia uma favela), naquele “srobadinho”!
Agora você, que apresentou trabalhos de teatro, na escola, sob orientação da professora de Português, tente dizer “srobadinho”! Vamos lá, tente, eu espero.
Difícil, não é?
E aí você vê aquelas celeumas provocadas por pessoas que querem “simplificar” obras de nossos escritores, para torná-las “acessíveis” ao nosso povo.
É o mesmo que dizer que essas pessoas têm um defeito de nascença, que as impossibilita de ler e entender porque é “difícil”. Difícil é o que elas criam, por talento, esse, inato, e por desdém à chamada “norma culta”, da qual não fazem a mínima questão. Ouçam as melodias (e as letras) do Djavan: já viram algo mais imponderável? A melodia de Oceano? A letra de Oceano? “Dava prá ver o tempo ruir” – Quem jamais ousou criar algo assim, tão louco e tão lindo? Você poderá argumentar que o Djavan não é inculto - claro que não é! Mas de onde ele vem? E o povo iletrado, de lá e de cá, acaso não o entende?
Nosso povo não é burro, nem retardado, nem fala errado; fala diferente. Porque quer, não porque não sabe. Ele simplesmente não quer saber; sua maneira de falar é mais doce, mais melodiosa: ao invés de dizer um "venha cá" autoritário, prefere o "chegue", ou "se achegue", com aquela manemolência que a TV faz questão de mostrar em cenas sensuais. Eles não dizem "o filho a seguir a este" - preferem "aneixo", corruptela de anexo. Não é um luxo? No Norte e Nordeste encontramos fraseado castiço, que não vemos por aqui.
Conservemos, pois, intocadas, as obras de nossos autores, e deixemos o linguajar de nosso povo, já tão prejudicado pela televisão.
Concluo: por eles, pretendi criar o “Brógui”.
Mas alguém chegou antes de mim. Por onde você vê que essas formas estão bem disseminadas, quer gostemos, quer não.
O povo é sábio, creia. E como tal, muito imitado.


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