VAZIO
Quando você lê a epopéia de Moisés com o povo
hebreu, ainda no Egito e, depois, pelo deserto, até à entrada da Terra
Prometida, angustia-se, enerva-se, ri e chora ao observar os meandros da
intimidade do homem com seu Criador, expressa nas conversas que mantinham.
Mas, para quem é cristão, a coisa começa muito
antes, quando Deus visitava Adão ou aquilo que ele simboliza, na viração da
tarde.
Viração da tarde! Isso lembra Vicente de Carvalho
(o poeta), de “Mar, belo mar selvagem das nossas praias solitárias!” Porque é
pura poesia.
Quando Deus visitava sua Criação, no fim das
tardes, como não houvesse futebol nem política, nem TV, suponho que as
conversas deveriam girar em torno das peripécias do recém criado: o que vira de
novo, o que experimentara, do que gostara, coisas assim; o Criador devia
encantar-se com a perplexidade de Adão, diante de tantas novidades!
Muitos outros, de Adão a Abraão, conversaram com
Deus, mas foi a este que Deus chamou “Vem para fora”, para que admirasse o céu
estrelado e tentasse contar as estrelas, para então reiterar-lhe que sua
descendência a elas se assemelharia, em quantidade. E foi
com Abraão que Deus teve um dos diálogos mais graves e, ao mesmo tempo,
engraçados, quando lhe comunicou que destruiria Sodoma e Gomorra. Penalizado,
Abraão questiona e intercede insistentemente, tentando achar a saída para
impedir a catástrofe. Se tiver oportunidade (e curiosidade), não deixe de ler
essa conversa, em Gênesis, capítulo 18.
O neto de Abraão, Jacó, foi outro que conversou com
o Deus
Gideão, um morador desarvorado de Israel em tempos
borrascosos, chegou a usar um estratagema, para confirmar se a conversa que
mantinha era verdadeira, ou não.
Ao longo da história hebraica, muitos outros,
Elias, Isaías, Daniel, conversaram com o Altíssimo; outra conversa muito
engraçada foi protagonizada por Jonas, no capítulo 4 do livro respectivo,
quando discute com um Deus paciente, diante do qual portava-se como filho
mimado.
Paulo, o apóstolo, conversou com Deus, quando ainda
era Saulo e foi derrubado de seu cavalo pelo esplendor da presença de Jesus.
Não conheço narração de outras conversas
entre Criador e Criatura, além das bíblicas.
Porém, até hoje é possível falar com Deus, embora
não da forma literal como ocorreu no passado.
Mas agora nossas ocupações são tantas que não nos
resta tempo para trocarmos impressões com o Altíssimo. Essa ausência seguida,
ainda que costumada, nos faz tanta falta que cria pensamentos como este, de
François Jacob, para mim um ilustre desconhecido: “O que o homem busca em seus
deuses, na sua arte e ciência é o significado. Ele não consegue suportar o
vazio”
O homem até pode procurar deuses, e há quem os
procure, por certo, mas a falta que sente é daquele, que o visitava na viração
da tarde, para uma conversa descontraída.
Quanto à arte, a criação é dotada de tanta beleza,
o interior do homem, por sua vez, também contém tanta beleza que este não pode
contê-.la, daí partir para expressá-la, e ao resultado disso chamamos Arte.
Já a Ciência, é ainda resultado da extrema
curiosidade daquele ser ingênuo e inquieto que perscrutava a Natureza, à
procura de novidades.
O vazio a que o autor se refere não passa de
saudade de Deus ...
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