domingo, 19 de fevereiro de 2017

VAZIO

Quando você lê a epopéia de Moisés com o povo hebreu, ainda no Egito e, depois, pelo deserto, até à entrada da Terra Prometida, angustia-se, enerva-se, ri e chora ao observar os meandros da intimidade do homem com seu Criador, expressa nas conversas que mantinham.
Mas, para quem é cristão, a coisa começa muito antes, quando Deus visitava Adão ou aquilo que ele simboliza, na viração da tarde.
Viração da tarde! Isso lembra Vicente de Carvalho (o poeta), de “Mar, belo mar selvagem das nossas praias solitárias!” Porque é pura poesia.
Quando Deus visitava sua Criação, no fim das tardes, como não houvesse futebol nem política, nem TV, suponho que as conversas deveriam girar em torno das peripécias do recém criado: o que vira de novo, o que experimentara, do que gostara, coisas assim; o Criador devia encantar-se com a perplexidade de Adão, diante de tantas novidades!
Muitos outros, de Adão a Abraão, conversaram com Deus, mas foi a este que Deus chamou “Vem para fora”, para que admirasse o céu estrelado e tentasse contar as estrelas, para então reiterar-lhe que sua descendência a elas se assemelharia, em quantidade. E foi com Abraão que Deus teve um dos diálogos mais graves e, ao mesmo tempo, engraçados, quando lhe comunicou que destruiria Sodoma e Gomorra. Penalizado, Abraão questiona e intercede insistentemente, tentando achar a saída para impedir a catástrofe. Se tiver oportunidade (e curiosidade), não deixe de ler essa conversa, em Gênesis, capítulo 18.
O neto de Abraão, Jacó, foi outro que conversou com o Deus
Gideão, um morador desarvorado de Israel em tempos borrascosos, chegou a usar um estratagema, para confirmar se a conversa que mantinha era verdadeira, ou não.
Ao longo da história hebraica, muitos outros, Elias, Isaías, Daniel, conversaram com o Altíssimo; outra conversa muito engraçada foi protagonizada por Jonas, no capítulo 4 do livro respectivo, quando discute com um Deus paciente, diante do qual portava-se como filho mimado.
Paulo, o apóstolo, conversou com Deus, quando ainda era Saulo e foi derrubado de seu cavalo pelo esplendor da presença de Jesus.
        Não conheço narração de outras conversas entre Criador e Criatura, além das bíblicas.
Porém, até hoje é possível falar com Deus, embora não da forma literal como ocorreu no passado.
Mas agora nossas ocupações são tantas que não nos resta tempo para trocarmos impressões com o Altíssimo. Essa ausência seguida, ainda que costumada, nos faz tanta falta que cria pensamentos como este, de François Jacob, para mim um ilustre desconhecido: “O que o homem busca em seus deuses, na sua arte e ciência é o significado. Ele não consegue suportar o vazio”
O homem até pode procurar deuses, e há quem os procure, por certo, mas a falta que sente é daquele, que o visitava na viração da tarde, para uma conversa descontraída.
Quanto à arte, a criação é dotada de tanta beleza, o interior do homem, por sua vez, também contém tanta beleza que este não pode contê-.la, daí partir para expressá-la, e ao resultado disso chamamos Arte.
Já a Ciência, é ainda resultado da extrema curiosidade daquele ser ingênuo e inquieto que perscrutava a Natureza, à procura de novidades.

O vazio a que o autor se refere não passa de saudade de Deus ... 

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